quinta-feira, 3 de setembro de 2009

ENTREVISTA DE JOANA DA MOTA ALEGRIA AO SEMANÁRIO CIDADE DE TOMAR EM 3 DE SETEMBRO DE 2009

Cidade de Tomar (CT) – O que faz uma jovem arquitecta candidatar-se a Vice-Presidente da Câmara Municipal?

Joana da Mota Alegria (JMA) – Em primeiro lugar as minhas raízes tomarenses, toda a minha família materna é de Tomar. Sempre estive ligada à cidade e atenta aos seus problemas. Em segundo lugar o meu interesse pela revitalização dos centros históricos e a minha formação específica em recuperação arquitectónica. Sempre me questionei porque é que uma cidade com tanto potencial turístico, se deixou ir abaixo. Porque é que não tirava partido do seu património arquitectónico e tradições (Festa dos Tabuleiros) de maneira a ter um papel significativo no panorama cultural e arquitectónico português. É a vontade de concretização desse potencial, que acredito poder ser uma base importante para a sustentação económica da cidade, que me levou a candidatar à Câmara Municipal de Tomar.

CT – Como Arquitecta, e não como Candidata, como vê a proposta do Bloco, e cito o Programa, “de criação de um Museu Nacional de Arquitectura, sustentando a pretensão na riqueza monumental edificada e na concepção urbanística do Centro Histórico”?

(JMA) – Em Tomar existem inúmeros exemplos de urbanismo e arquitectura de várias épocas, capazes de estabelecer uma cronologia na história da arquitectura, que podem ser plasmados num Museu Nacional de Arquitectura. Esta ideia é naturalmente bem-vinda.

CT – Já como Candidata, é por isso que defende o “estímulo à recuperação do parque habitacional degradado”, ou há mais razões para além dessa?

(JMA) – A recuperação e conservação do edificado degradado e consequente atractividade para novos residentes é a base para a revitalização do centro histórico, e para o desenvolvimento do potencial turístico da cidade.
O centro histórico, através do seu edificado e ocupação, marca a identidade da cidade. É um documento histórico, e como tal, se desaparecer, a cidade enquanto identidade, morre. O que importa ao visitante que chegue a Tomar é desfrutar do que a cidade tem de único, e não o que pode encontrar em qualquer outro lugar. Não se trata de criar uma cidade museu, não, trata-se sim de conservar a marca histórica – edificado e ocupação (habitação e comércio tradicional) acrescentando vivências actuais, através da reocupação das casas devolutas para habitação, residências de estudantes, pousadas da juventude ou pequenos hotéis.

CT – Ou seja, a questão de fundo é a vocação residencial do Centro Histórico que deve ser recuperada…

(JAM) – Sim, importa trazer de novo as pessoas a habitar o centro da cidade, para que este possa de novo ganhar vida. Mas para isto é também importante que neste espaço tenha presença uma grande diversidade de actividades, como o comércio, serviços e equipamentos, como é o caso do mercado municipal.

CT – Então, acha importante a manutenção do mercado na sua actual localização?

(JMA) - Sim, sem dúvida. O mercado municipal faz parte da identidade da cidade e do que aí se produz e comercializa, bem como da identidade do próprio concelho, lembremo-nos que pelo menos uma vez por semana pode ser o ponto de encontro de todo o concelho. É por isso uma ligação da parte rural com a sede do município. Visito muitas vezes o mercado e não vislumbro qualquer tipo de decadência, está vivo e dinamiza a cidade, chamando as pessoas ao centro. A cidade só teria a perder com a sua deslocalização. Claro que é importante a conservação e recuperação do edifício, que é um exemplo tipo de arquitectura portuguesa muito interessante e que importa valorizar. Mais uma vez, é importante conservar o que existe de único na cidade. É possível recuperar o edifício e ao mesmo tempo dotá-lo das infra-estruturas actuais necessárias ao seu funcionamento. A sua valorização passaria também pela multiplicidade de funções que este poderá albergar, cafés e restaurantes, com passeio e vista para o rio, completando assim a intervenção realizada na outra margem, podendo ainda estabelecer-se uma ligação viária e pedonal à área envolvente da Igreja de Santa Maria dos Olivais.
É importante que estas intervenções não obriguem ao encerramento do mercado. Devem ser realizadas de modo gradual, pois é fundamental para a cidade a existência permanente daquele espaço.

CT – Os trabalhos em curso no Centro Histórico salvaguardam a genuinidade da cidade ou descaracterizam-na?

(JMA) – O que me tem preocupado é mais a inexistência de recuperação, do que propriamente a qualidade do que tem sido feito até hoje, que não é a melhor. Nunca percebi qual o conceito dos desenhos de repavimentação e equipamento urbano, das ruas Larga e Corredoura. Em que se terá baseado o arquitecto?! Também não compreendi porque é que foi necessário deitar abaixo as árvores que existiam junto ao estádio e às piscinas (para não falar no número de árvores que têm sido arrancadas nos últimos 20 anos em toda a parte), ou o desenho, igual a mil outros que se estão a construir pelo país fora, da nova ponte do Mouchão, ou ainda qual a razão para existir uma ponte pedonal junto ao mercado se a nova ponte viária também tem lugar para peões? Já para não falar da rotunda, como é que uma cidade com tantos símbolos identitários (Tabuleiros, Cruzes de Cristo e dos Templários, …) apresenta uma coisa sem significado?
De todo o modo, penso que a degradação da maioria do edificado antigo, que ainda por cima se encontra devoluto, demonstra que pouco tem sido feito ao nível da conservação e recuperação.
Qualquer intervenção de recuperação deve respeitar o existente, e ser bem fundamentada. Neste caso há também que considerar o factor tempo, se a recuperação do edificado da cidade de Tomar não começar já, perder-se-á grande parte da identidade tomarense.

CT – É incontornável saber o que pensa dos trabalhos na área envolvente da Igreja de Santa Maria dos Olivais.

(JMA) – No geral, toda a intervenção deixa muito a desejar, a destruição de árvores e aquela espécie de terreiro demasiado soalheiro, de pavimento de material duvidoso, demonstram pouco respeito pelo monumento.
Mas fiquei principalmente chocada com a intervenção realizada nas escadas que ligam a Igreja à Torre. Como é que foi possível substituírem umas escadas originais, de pedra maciça, por umas escadas capeadas a pedra, de um material banal, que fazem “pandam” com um muro completamente desnecessário, e que rompem totalmente com a ligação e unicidade existentes entre a Igreja e Torre!? Tentei em vão responder a esta pergunta. Por questões estéticas percebe-se que não foi, e razões funcionais não fazem ali qualquer sentido, pois o acesso à Igreja pode ainda ser feito dando a volta, sem nenhum impedimento. Então para quê destruir a escada? Como é que um monumento daquela importância é intervencionado como se de um edifício menor se tratasse? É realmente uma pena. Existem inúmeras intervenções bem sucedidas, como por exemplo, em Espanha ou Itália, onde o autor do projecto se poderia ter inspirado…
De resto, percebe-se a intenção de ligar a Igreja à cidade através do corte da estrada que ali passava e o desenho de outra estrada pelas traseiras, que de facto funciona. Traz espaço para que se possa desfrutar da imagem da Igreja e da Torre, só é pena que essa imagem esteja um pouco deturpada pela restante intervenção.

CT – Como fazer da zona da Igreja de Santa Maria um elemento de atracção turística complementar ao Convento, trazendo visitantes à cidade?

(JMA) – Como referi antes, neste momento a ligação da Igreja ao centro da cidade está feita, estabelecendo-se um percurso, através da nova ponte, ou em alternativa passando pelo mercado municipal com as suas novas valências, seguindo pela rua dos Arcos, onde existem várias alternativas até ao centro ou até ao Castelo/Capela de N. Sra. Conceição. Este percurso poderia mesmo servir-se de sinalética própria com indicações históricas de modo a ser mais visível. Junto à igreja, para além da criação de uma zona de sombra, bastam algumas infra-estruturas, como sanitários, cafetaria (que se poderia localizar no terreiro em frente à torre), e uma pequena loja turística. Por outro lado, também a torre poderá, se o seu interior o permitir, ser utilizada como miradouro sobre a cidade.

CT – O Bloco quer também “garantir mobilidade automóvel e condições especiais de estacionamento a residentes e comerciantes no Centro Histórico e criar ciclovias funcionais, antes mesmo das ciclovias de recreio, pela simples marcação a tinta, no asfalto”. É possível compatibilizar esta proposta com a salvaguarda do Centro Histórico e responder às exigências da vida moderna num Centro Histórico?

(JMA) – Não é possível trazer gente ao centro histórico sem a resolução do problema do estacionamento. Daí que tenha que existir um compromisso entre uma recuperação fundamentada e atenta ao existente e as necessidades actuais quer ao nível da habitação, quer ao nível do estacionamento.
Neste momento não existe estacionamento suficiente para os residentes, o que pode ser resolvido pelo condicionamento do estacionamento nas ruas só para residentes, ou pela reserva de lugares no parque para aqueles. É inadmissível que um habitante do centro histórico tenha de pagar para pôr o seu automóvel no parque, quando não tem alternativa.
As ciclovias são uma maneira fácil de promover o uso da bicicleta, o que traz vantagens de ordem ambiental, cultural e turística.

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