quinta-feira, 3 de setembro de 2009

ENTREVISTA DE ANTÓNIO GODINHO E CARLOS TRINCÃO AO SEMANÁRIO CIDADE DE TOMAR EM JUNHO DE 2009


Cidade de Tomar – O Bloco de Esquerda assumiu recentemente a sua Candidatura às Autárquicas e promoveu uma primeira acção em Cem Soldos na sexta-feira passada. Quem são os cabeças de lista?

Bloco de Esquerda – A nossa preocupação, por agora, é assegurar as pessoas que constituirão as Listas e definir o Programa. Depois se verá quem encabeça o quê. Ao contrário de outras estruturas, recusamos apresentar nomes sem o Programa que se propõem cumprir. Dança de nomes é espectáculo sem conteúdo. Noutras forças políticas, já há três Candidatos anunciados a Presidente da Câmara, mas ninguém sabe o que pretendem. Como dissemos em Cem Soldos, neste momento estamos em condições de concorrer à Câmara Municipal, à Assembleia Municipal e às Assembleias de Freguesia da Madalena, de S. João e de Santa Maria. Isso é que é importante. E mais importante ainda é alargar o número de Assembleias de Freguesia, o que vai acontecer.

CT – Mas não consideram importante definir as lideranças?

BE – Consideramos! Mas a seu tempo. Este tempo é o da definição das ideias e da reunião das pessoas. Veja o que dá ser Candidato sem Programa: o PSD, com António Paiva, fechou o Parque de Campismo; o PSD, com Corvêlo de Sousa, reabre-o. Que confiança podem merecer Partidos e Lideranças como estas? Tomar perdeu durante estes anos de fecho. Abrem, fecham, prejudicam e nem um pedido de desculpas.

CT – Isso quer dizer que aquilo que o Bloco vier a fazer é imutável?

BE – Quer dizer que pensamos o nosso caminho, damos conta dele e trilhamo-lo. E se tivermos que emendar a mão por se constatar que errámos, emendamos. Mas dando, como se diz, a mão à palmatória. Dizendo o porquê das coisas. O que o PSD faz é uma espécie de borboletear estonteado. Voa para onde lhe convém sem prestar contas. E, mais grave ainda, sem que os seus Eleitos na Assembleia Municipal questionem mudanças de posição tão radicais, pouco se importando com a imagem de irresponsabilidade que, assim, evidenciam…

CT – O Bloco tem um Eleito na Assembleia Municipal. Que balanço faz do seu desempenho?

BE – As próximas Eleições farão esse balanço e nos dirão se temos agido bem ou mal. A nossa opção tem sido a de levar à Assembleia Municipal as Propostas que apresentámos em 2005 para a Câmara Municipal, muitas das quais foram aprovadas.

CT – Então, mesmo não sendo Poder o Bloco leva a sua avante…

BE – Se assim fosse o Concelho estaria bem melhor. A verdade é que o PSD não respeita a Assembleia Municipal. Muitas das Propostas e Recomendações, nossas ou de outros, que foram acolhidas, algumas por unanimidade, foram ostensivamente ignoradas pela Maioria PSD na Câmara. E o que é de espantar é que nem o Grupo do PSD deu por achado ao constatar que o seu próprio voto era ignorado na Câmara, nem o Presidente da Assembleia Municipal se preocupou em defender o bom nome da Assembleia a que preside. Votava-se, faziam de conta que sabiam o que estavam a votar e vamos embora que se faz tarde…CT – O que querem dizer com isso?BE – O que dissemos, precisamente. Em mais do que uma situação, o Bloco apresentou Propostas na Assembleia que foram rejeitadas pelo PSD; uma ou duas sessões mais tarde, o Bloco voltou a apresentar as mesmas que foram, então, aprovadas por unanimidade! Pasme-se. Isto no que respeita ao “fazer de conta que sabiam o que estavam a votar”. Quanto ao “ala que se faz tarde”, bem, isso também era giro. Enquanto havia votações, os Eleitos do PSD aguentavam a Sessão com estoicismo e caladinhos como mandam as regras do bom comportamento, com particular realce para os seus Presidentes de Junta; assim que começava o Ponto de “Outros Assuntos de Interesse para o Concelho”, que não tem votações, era a debandada geral. Era vê-los a sair do Salão Nobre em pouco nobre postura.

CT – O PSD é o vosso adversário? Em seis respostas, quatro focaram o PSD.

BE – É um dos adversários. Em eleições, os adversários são os outros todos. Se assim não fosse, para quê concorrer? Se entendemos que as nossas Propostas e os nossos objectivos são melhores para a Cidade e para o Concelho, temos que fazer por isso.

CT – Mas há uns mais adversários do que outros…

BE – Não. O que pode haver é convergências mais ou menos pontuais. Neste Mandato, o PSD tem sido tão mau que as convergências na Oposição foram muitas. Bem… em quase toda a Oposição.

CT – Ficava alguém de fora?

BE – O PS teve uma atitude muito curiosa, para não lhe chamarmos outra coisa. A Sessão Extraordinária da Assembleia que a Oposição convocou partiu de uma proposta que o PS apresentou à restante Oposição e que esta acolheu sem hesitar, reforçando, inclusivamente, as matérias inicialmente apresentadas pelos Socialistas, que se queriam focar na Educação. Parecia que estávamos no bom caminho para uma convergência fecunda. Porém, há um ano e tal, o mesmo PS não teve escrúpulos em prejudicar os colegas de Oposição. Aproveitando o pretexto das alterações provocadas pelas mexidas no Grupo da CDU, aliou-se ao PSD para alterar o Regimento e diminuir consideravelmente os tempos de intervenção da restante Oposição, incluindo o tempo para Declarações de Voto. Arranjou uma justificação de meia tigela pretensamente formal e alcandorou-se na arrogância dos “partidos do arco do Poder”, como eles gostam de dizer. Dois pesos e duas medidas.

CT – Isso teve consequências?

BE – No que toca ao Bloco, as coisas ficaram esclarecidas: o PS, em Tomar e com a actual liderança, não é um Partido confiável. De resto, o Bloco nunca mais participou nas reuniões da Comissão de Defesa da Floresta por esta ser presidida pelo Partido Socialista. Depois do que foi feito, não lhe reconhecemos dimensão ética para presidir a uma Comissão. Já depois disso, o PS teve a iniciativa de contactar o Bloco para um acordo que pudesse retirar a Maioria ao PSD na eleição dos representantes da Assembleia Municipal de Tomar na Assembleia da Comunidade Intermunicipal. E embora o PS não beneficiasse com isso, pois o representante que viria a alterar a correlação de forças seria ou para a CDU ou para o Bloco, o que é facto é que nem a CDU nem o Bloco aceitaram participar nesse acordo com o PS.

CT – A Declaração de Candidatura que o Bloco divulgou no início da semana passada indicia uma preocupação pela Cultura muito acentuada.

BE – É verdade. Consideramos a Cultura e o Turismo Pedagógico e Cultural como factores de desenvolvimento para o Concelho.

CT – Também o Presidente da Câmara num recente Editorial da Agenda Cultural parece defender isso…

BE – Pois. E depois? A vertente cultural de Tomar continua a ser uma constante do discurso político, pelo que se presume seja desejo agir; infelizmente, os Orçamentos aprovados na Assembleia Municipal nos últimos anos não espelham tal preocupação… Nem as possíveis Comemorações dos 850 anos da Fundação de Tomar no próximo ano, assumidas pela Assembleia por iniciativa do Bloco, estão em preparação, quanto mais o resto! Até as ideias de “Tomar Capital Europeia da Cultura” (com aprovação na Câmara e na Assembleia no 1º Mandato desta Maioria) ou a Candidatura a Património Mundial da Festa dos Tabuleiros são, também, discursos recorrentes, embora envergonhados, que não têm correspondência prática, política ou financeira. Pior: por proposta do Bloco, há pelo menos dois anos que existem vinte mil euros orçamentados para a Candidatura da Festa dos Tabuleiros e não há acções de preparação que se vejam. Não foi gasto um cêntimo sequer. A Cultura não faz parte do ideário do PSD, logo não passa do plano do discurso inconsequente.

CT – Mas a Rota do Património com os mosteiros da Batalha, de Alcobaça e dos Jerónimos é liderada por Tomar.

BE – Boa razão para o insucesso! Se eles não conseguem fazer coisas como deve ser em Tomar, como é que vão conseguir isso? Mais a mais, a Rota do Património, só por si, não é a solução para Tomar. Aliás, quando se debateu o último Orçamento de António Paiva, o Bloco perguntava qual era a grande opção para o Turismo. Ele respondeu com a Rota do Património e inscreveu-a em Orçamento. Pois bem… Nesse ano continuou a não haver estratégia turística, tal como no corrente. A Rota tem de ser um instrumento e não um fim. E o que nos parece é que o PSD e o PS pensam assim: Boa! Já temos a Rota que vai resolver tudo. Nem precisamos de trabalhar mais.

CT – Mas o Ministro da Cultura esteve recentemente em Tomar e esse assunto até foi focado.

BE – Pois foi. Mas se se olhar bem não se vislumbra a CMT e os seus Serviços de Cultura ou Turismo. A Rota do Património é uma espécie de grande estrada com grandes paragens. As pessoas só param onde sabem que há coisas para ver. Se Tomar continua a não se fazer valer, quem é que dá por nós? Vamos estar à espera que sejam os outros a promoverem-nos? Bem podemos esperar… Como é que se põem os visitantes do Convento a descer à cidade? O problema não é o como descer, que parece ser a grande preocupação. A questão é: descer à cidade para quê?

CT – Com o Bloco, descer-se-á à cidade quando, como e para quê?

BE – Independentemente de propostas mais concretas a estabelecer no Programa eleitoral, as ideias-base são seis:
1 – Reestruturar radicalmente os Serviços Culturais da Câmara com sectores como Turismo, Museologia, Exposições, Património Material e Imaterial, Etnografia, Publicações, Bibliotecas & Arquivos, Associativismo, Música, Teatro, Dança, Pintura, Escultura, Fotografia, Cinema, Artes Performativas, Juventude, Desporto e Educação, com um único responsável político e com orientações convergentes.
2 – Estimular a produção em série e venda de materiais sobre Tomar e o seu Imaginário, conciliar os conceitos de Cidade dos Tabuleiros, Cidade Templária e da Ordem de Cristo com políticas para o reforço da oferta hoteleira e criação de eventos e equipamentos susceptíveis de a alimentar, propiciando fluxos permanentes de visitantes e convertendo Tomar numa cidade com reconhecimento internacional.
3 – Estabelecer um plano para dez anos, a começar em 2009 com a instalação do processo de Candidatura da Festa dos Tabuleiros a Património Mundial Imaterial e disponibilização de instalações para a Comissão; prosseguir a partir de 1 de Março de 2010 com as comemorações dos 850 anos da fundação de Tomar, associando-as ao fenómeno templário; continuar em 2011, ano de realização da Festa dos Tabuleiros, com a instalação do Museu da Festa dos Tabuleiros e respectivos Serviços Educativos; criar um programa cultural para 2012 que complemente a programação de Guimarães, Capital Europeia da Cultura; instalar o Museu dos Descobrimentos em 2013, iniciando aí, com os 30 anos de Convento de Cristo Património Mundial a programação e a promoção de 2019 Setecentos anos da Ordem de Cristo.
4 – Construir um equipamento cultural que garanta condições técnicas e artísticas para espectáculos de referência de música, bailado, teatro ou ópera.
5 – Considerar como estruturante a criação de cursos superiores de artes e de companhias profissionais de dança e de teatro, bem como uma orquestra profissional.
6 – Criar um Centro Internacional de Lusofonia, em parceria com os Ministérios da Educação e dos Negócios Estrangeiros, que assuma essa dimensão histórico-cultural e promova a defesa da língua portuguesa como factor comum de identidade, de cooperação, de desenvolvimento e ainda de apoio à comunidade imigrante em Tomar.

CT – 2019? Já? Isso não é demasiado longe?

BE – O problema é precisamente esse! Não se pensar a médio e longo prazo. É por isso que se faz e desfaz sem rumo nem ideias. Os grandes projectos têm de ser pensados a longo prazo, particularmente aqueles que queremos estruturantes. Queremos começar de novo este ano mas a pensar em termos de grandes continuidades. Estes projectos necessitam estabilidade. Daí que pensar assim exige também pensar com todos. Veja-se o caso da nossa proposta do equipamento cultural para grandes espectáculos: não nos passaria pela cabeça propô-lo sem propor o que pode ajudar a sua consolidação, neste caso as companhias de dança, de teatro e as orquestras. Não pode ser construir por construir. Tem de se construir para se saber o que se quer pôr lá dentro. Até porque queremos que a referência seja regional e nacional; nunca apenas local.

CT – Para o Bloco, Tomar é só Cultura e Turismo?

BE – (risos) Só pode pensar isso quem não nos conhecer! Cultura e Turismo (e Educação) são estruturantes e devem ser pensados como tal, que é aquilo que não tem acontecido. De resto, Cultura e Turismo, porque são a nossa marca distintiva, a nossa matriz o nosso factor de identidade, têm que ser factores de produção, isto é, geradores de emprego e de riqueza. Sempre em termos regionais, no mínimo. Mas são cumulativos com outras estratégias. Tomar foi, desde o século XII, uma potência económica e industrial por força das condições do rio e da capacidade de produção de energia. Ao longo da História, até meados do século XX, Tomar soube sempre adaptar-se e reciclar as suas indústrias: os moinhos passaram a ferrarias, estas a fábricas de chapéus, de vidro e de tecidos; depois o papel e a madeira. Cada época tem o seu espírito e as suas necessidades. Lembremo-nos das nossas propostas de há 8 anos: a piscicultura e o aproveitamento hidro-eléctrico do Nabão. São ou não potenciais elementos de riqueza? O desafio está em perceber como vai ser daqui para a frente, sendo certo que o Conhecimento, eventualmente potenciado pelo Instituto Politécnico, é o grande motor dos nossos dias. O desafio é interpretar as potencialidades locais e as necessidades regionais e nacionais para, então, fazer o que tiver que ser feito. Novas tecnologias, Saúde, Investigação serão, doravante, as áreas onde, com o Turismo Cultural, a Cultura/Património e a produção cultural para consumo e exportação, Tomar deve intervir. Os políticos e os investidores devem estar atentos e consonantes. Estas são áreas de riqueza e emprego potenciais. E nunca podemos esquecer nem ignorar o Instituto Politécnico. Tomar tem ali a grande produção de massa crítica. Tomar e o Politécnico devem trabalhar em conjunto para a criação de empresas, procura de incentivos, inovação, desenvolvimento. Para o Bloco, o IPT é indispensável!

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